Chegamos à meia idade cobertos de cicatrizes, tantas, abertas, purgando sangue e aguadilha, pus de vivências. Envoltos em ligaduras, somos múmias mortas-vivas. Chegamos a meio da vida tão feridos e doridos, tão doentes e frágeis que um simples toque de dedo, certeiro, nos faz tombar. Somos carência e fraqueza. Somos falsos fortes. Somos incertas certezas. Somos um cheio de vazio. Sentimos tanto... e nada!
Vivemos num parco equilíbrio encarcerados na nossa própria solidão, ansiando dela sair, mas temendo-o ao mesmo tempo. A dor é a nossa zona de conforto. O sofrimento o nosso estado normal. E não há quem nos resgate de lá. Não deixamos. Nada nem ninguém nos pode salvar. Nem o amor, porque, simplesmente, já não acreditamos nele.
Sempre esta angústia. Sempre este aperto no peito e nó no estômago, receando uma desgraça eminente. Uma partida, uma perda, uma morte, a saudade de alguém querido que nunca mais se verá. Protejo-me. Defendo-me. Isolo-me. Não se perde quem não se tem. Mas não nascemos sozinhos, do nada, e somos seres sociais. Existem sempre uma mãe e um pai. Uma família. Uma teia social que se vai rasgando com o tempo. Os seus fios vão-se partindo pelo caminho. Com ele, todos morrem, é o inevitável axioma da vida.
O ser humano é um ser estranho. Queixa-se da solidão e anseia encontrar a sua "outra metade". Contudo, é resistente ás cedências que isso implica. Pouco flexível, é incapaz da entrega, receando a invasão do seu território e a perda da sua independência. Quer apenas o "bom" do todo que tem também o "mau", e esquece-se que o que conta é, no final, o peso de cada um deles na balança. Desiste, sem quase sequer ter começado, convencendo-se que é melhor assim.
O ser humano é um ser estranho. Com medo de a perder, vive - infeliz - preso à sua própria liberdade.
Mais uma noite na urgência de um hospital para me relembrar que começamos a vida frágeis, a chorar, dependentes do pai e da mãe e acabamo-la da mesma forma: uns velhinhos indefesos aterrorizados, com medo da solidão e da morte, a chamar pelos pais. (25.07.2012)
Passamos a primeira metade da nossa vida a sofrermos pelas dores na alma infligidas pelos conflitos relacionais e a outra metade, pelas dores físicas provocadas pelas falhas do nosso corpo. Ah, felizes aqueles que acreditam na vida eterna e no paraíso para além da morte. Torna tudo tão mais fácil!
Sempre que me despeço, repito-lho vezes sem conta o quanto gosto dela e quanta falta me faz. Quero que não duvide por um segundo, um dia que parta ‒ espero que ainda daqui a muito tempo ‒ do meu amor por si.
Todo o passado, como parte da nossa história que é, fará parte do futuro. Ele, lembrar-nos-á os nossos erros, ensinar-nos-á a tentar evitá-los, ajudar-nos-á nas escolhas. Relembrar-nos-á, quando voltarmos a falhar, que não é o fim do mundo, que sobreviveremos, que voltaremos a ser felizes. Far-nos-á ter a consciência da volatilidade das palavras “sempre” e “nunca”, da relatividade dos votos eternos que fazemos.
O meu passado será sempre tão precioso como o meu futuro e abraçá-lo-ei sempre com a mesma ternura que um dia lhe tive no presente.
É sempre mais fácil sofrer do que tentar ser feliz, queixar-nos do que nos falta do que valorizar o que temos. Mas há dias assim – bestiais! – que merecem ficar registados para não nos esquecermos de como a vida, afinal de contas, nos trata bem. (24.06.12)
Há dez anos, tive um dos dias piores da minha vida; hoje não foi muito melhor, mas teve uma diferença: sou muito mais forte e feliz.
Houvera alguém que lhes ensinasse o Caminho!...