No meio da deterioração mental em que a doença, desafortunadamente, a acometia, num rasgo de lucidez, ela disse à filha:
‒ Tu precisavas era de um homem como o teu pai.
As mães são sábias até na demência!
Olho à minha volto e vejo pessoas, conscientemente, empenhadas em dificultar a vida dos outros, focalizando e gastando energias em objetivos mesquinhos e destrutivos. Outras, fazem-no de forma inconsciente, vingança da frustração das suas próprias existências: “Se não posso estar bem, os outros também não podem! Alguém tem de pagar pelo meu desconforto”, imagino dever ser o raciocínio na base deste comportamento.
A idade traz-nos autoconfiança, a vivência maturidade. Ou, pelo menos, assim o deveria ser. Por isso, me interrogo: para quê chatearmo-nos com ninharias, quando a vida é tão curta?
É sempre mais fácil sofrer do que tentar ser feliz, queixar-nos do que nos falta do que valorizar o que temos. Mas há dias assim – bestiais! – que merecem ficar registados para não nos esquecermos de como a vida, afinal de contas, nos trata bem. (24.06.12)
No comboio, ao meu lado, uma rapariga com sotaque brasileiro, conversa ao telemóvel. Fala num tom meigo, assertivo, tentando acalmar a voz do namorado que, do outro lado, adivinho exaltada. Trata-o por “quirido”, tenta um tema que o distraia da sua ira, diz-lhe que quer ver o cabelo dele… Ele, mal-encarado, continua a cuspir monossílabos ásperos. A certa altura, sentindo-o desligar-lhe o telefone na cara, exclama desesperada: “Nossa, qui grosso!”, e atira, frustrada, o telemóvel para cima da tábua aberta das costas da cadeira da frente. Com as lágrimas nos olhos, desabafa, ainda, sozinha: “Essa doeu, viu?!”. Eu não resisto, e interferindo na conversa que não me diz respeito, solidarizo-me com ela: são todos iguais: umas bestas!
Numa das ruas estreitas da Foz, existe uma mercearia abandonada. Na montra, como uma mercadoria esquecida, repousa um grande e gordo gato siamês. Enroscado sobre si mesmo, ignora os olhares dos transeuntes, entregue a um sono profundo apenas interrompido para seguir a posição dos raios de sol e se ir aninhar uns centímetros ao lado, onde ele incide com maior intensidade.
Todos os dias, passo, olh...o-o e invejo-o. Desafio-o a mirar-me; não quer saber. Ignora-me. Ignora ter de interagir com os outros, ter de ser reconhecido por eles, ter de construir uma carreira profissional. Ignora a necessidade de ser amado, a dor da rejeição, a dificuldade de um relacionamento conjugal.
A ele bastam-lhe uma nesga de sol, uma fêmea na época de acasalamento e um ou outro, ratitos que passem por ali.
Quem não é capaz de proteger a célula, jamais será capaz de proteger o corpo.
1. acto de proteger
2. amparo; auxílio
3. abrigo
4. cuidado; atenção especial
5. pessoa que protege
"Lembrei-me do que uma amiga minha uma vez numa festa nos contou, quando ao aparecer sem o namorado lhe perguntamos o que tinha acontecido: “Discutimos e deixou-me sozinha na rua. E digo-vos meninas, se nem para me proteger serve, é porque não serve para nada!”. Nunca me esqueci desta frase, porque acho que de facto é o mais básico que uma mulher espera de um homem."
[In "De Mãos Dadas com a Perfeição", Sofia Bragança Buchholz, Editorial Presença, pág. 133.]
Quanto mais conheço os Homens mais gosto dos vermes. Ao menos estes não enganam ninguém: são vermes desde nascença.