Quarta-feira, 31 de Maio de 2006
Ana Beatriz Barros
Terça-feira, 30 de Maio de 2006
Personagens:
• Eu
• Simão, 5 anos
Cenário:
Acabadinha de chegar do dentista, onde o preço da beleza me obrigou a arrancar o segundo dente para uma correcção ortodontica, de lábio bambo, nariz semi-anestesiado, boca maçada, a sentir-me um boxer desdentado, de focinho inchado e descaído, resolvo partilhar a minha infelicidade com alguém prestes a viver o mesmo drama:
Acção:
− O tio Zé Maria arrancou-me um dente, queres ver?
(Desviando, prontamente, a atenção do filme que o hipnotizava na televisão): − Quero! Mostra!
Abro a boca, com um rugido de dor, como um leão no circo, para o domador meter a cabeça.
(Debruçado sobre mim, espreitando o buraco do meu dente:) − Blac, que nooooojo!
− E os teus, que tal, já te caiu algum?
− Naaa… ainda não.
(Entusiasmando-me): − Trouxe o dente comigo… ainda está cheio de sangue. Tem umas raízes enooooormes… queres ver?
(Mais entusiasmado ainda do que eu, de olhos a brilhar): − Siiim! E tem veias??!!
Bom Senso: − Eterna Descontente, repete vinte vezes que trouxeste os dois dentes que o dentista te tirou, para os colocares debaixo da almofada e esperares que a Fada dos Dentes te traga umas moedas.
Eterna Descontente: − 1: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 2: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 3: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 4: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 5: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 6: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 7: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 8: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 9: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 10: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 11: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 12: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 13: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 14: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 15: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 16: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 17: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 18: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 19: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; 20: Trouxe os dois dentes para os colocar debaixo da almofada e a Fada dos Dentes me trazer umas moedas; E NÃO, NÃO É PARA FAZER UNS BRINCOS COM ELES, COMO TINHA PENSADO, PORRA, PÁ, NUNCA TE DISSERAM QUE ÉS CHATO?!!
Segunda-feira, 29 de Maio de 2006
O silêncio fresco da minha casa, depois de um dia tórrido a ouvir gente falar.
Sábado, 27 de Maio de 2006
Ana Beatriz Barros
Sexta-feira, 26 de Maio de 2006
Personagens:
• Eu
• Simão, 5 anos
Cenário:
Vício de profissão, desafio o Simão a estimular a sua criatividade através de um jogo de palavras.
Acção:
Eu: − Vamos jogar um jogo de palavras?
Simão: − Ok, qual?
Eu: − Eu digo uma palavra terminada em “ão”, tu dizes outra. Ganha quem disser mais.
Simão: − Tá bem.
Eu: − Simão!
Simão: − Cão!
Eu: − Ladrão!
Simão: − Mão!
Eu: − João!
Simão: − Raquel!
Eu: − ??? (silêncio)
Simão: − … (silêncio)
Eu: − Raquel???? O que é que isso tem a ver, Simão?
Simão (com a maior das latas e a mais pura lógica): − Olha, tem tudo a ver. A Raquel é a irmã do João, percebes?!!
Ah!, pudesses, tu, dar-me um sinal − um que fosse − que não foi em vão o meu afecto…
Ide, ide e comprai muitos livros.
E, já agora, comprai também o meu.
Quinta-feira, 25 de Maio de 2006
Não fui capaz de o fazer. Quando o ia atirar pela janela fora, fui dar com o grilo a ressonar baixinho, enrolado numa folhinha de alface. Coitadinho, tão pequenino, tão riquinho que estava! Fitou-me ensonado, abanou as anteninhas em forma de piscar de olho e continuou a dormir consoladamente, inocente às minhas malévolas intenções. Visualizei-o de boxers, pernas descontraidamente afastadas, o sexo flácido a espreitar por entre elas... Enterneceu-me. Despertou o sentimento de fêmea, de mãe, de eterna protectora que há em mim. Deu-me uma moleza… tão grande, mas tão grande que me afectou o coração. E depois ele moveu-se, uma espécie de aconchego, que me soou a um abraço, daqueles pela cintura que nos arrastam com eles e nos fazem tombar embriagados com o seu calor, hipnotizados com o som compassado da sua respiração na nossa nuca. E tombei.
Acordei duas horas depois, na espreguiçadeira da varanda, já o sol da tarde ia alto, com um grande escaldão. Eu sabia que ceder não ia dar bom resultado!
E o grilo? Esse continuava lá, são e salvo, fresquíssimo, sob a folha de alface.
Quarta-feira, 24 de Maio de 2006
Adriana Lima
Com saudades das tuas mãos, Meu Amor!
O grilo voltou. Sei que não vão acreditar no que digo, mas tenho testemunhas.
Fui dar com ele esparramado em cima do sofá da sala, a trautear uma melodia, bem mais afinada do que na primeira vez que o vi. Era tal o seu descaramento que, por momentos, pensei que ia sacar de um cigarro, cruzar a pata, e soprar-me na cara o fumo, em forma de rodinhas perfeitas. Limitei-me a olha-lo perplexa, boquiaberta, incapaz de emitir qualquer som. Depois, fi-lo subir novamente para as minhas mãos − coisa que pareceu fazer de bom grado, sem resistência − e reencaminhei-o para a sua improvisada casinha, na varanda.
Só quando fechei a luz e a porta, atrás de mim, me ocorreu o primeiro desabafo: Homessa, este grilo está a gozar comigo! Parece uma metáfora masculina! Aparece e desaparece quando lhe dá na gana e, insensível às emoções que causa, regressa como se nada fosse para os braços que parece saber sempre abertos, aqui, da lorpa. Pois que fique sabendo que agora também já não o quero! É que não se brinca assim com uma mulher! Amanhã, é certo, vou fazê-lo saltar pela janela e rumar definitivamente à liberdade... Ou mais além!
E, olhem, que seja feliz!
* Inspirado no famoso grito do Buzz Lightyear
Definitivamente, conduzir.
Terça-feira, 23 de Maio de 2006
Adriana Lima
Porque também os filhos as podem contar:
“Durante quarenta anos gerou filhos que, ampla e generosa, continuava a abrigar no ventre passado o tempo da gestação. Por que atirá-los no mundo se, mãe, a todos podia conter e alimentar?
Achando porém necessário dar-lhes boa educação, fez quatro vezes o serviço militar para atender às necessidades cívicas dos seus filhos homens, e completou oito cursos de corte e costura para garantir o futuro de suas filhas mulheres.
Já estava quase chegando à velhice, quando a doçura de netos começou a lhe parecer mais desejável do que tudo. Não resistindo, deitou-se enfim no centro da cama e, abertas as poderosas coxas, começou o esforço. Em vão suou lençóis e fronhas, em vão inchou as veias do pescoço. Passadas horas, passados dias em que sem descanso lutava para expelir, compreendeu: por amor e segurança seus filhos se recusavam a deixá-la. Nunca seria avó.
Então a tristeza abateu-se sobre ela. Emagreceram as pernas, emagreceram os braços. Só a barriga não emagreceu, vagando imensa pela casa. Mas a pele se fez cada vez mais fina, e em certas horas da manhã, quando a luz bate clara e penetrante sobre o ventre de opalina, já se podem ver os rapazes garbosos na ordem unida, e as moças que cosem infindáveis camisolas.”*
Parabéns, Mamã!
* Marina Colasanti in “Um Espinho de Marfim e Outras Histórias”; No Aconchego da Grande Mãe, pág. 109; Editora Figueirinhas.
Domingo, 21 de Maio de 2006
Ele tinha um umbigo tão grande, mas tão grande, mas tão grande que para não ver os seus erros, os enfiava todos para lá, convencendo-se, assim, que, ao fazê-lo, estaria a criar um bom ambiente.