Numa das ruas estreitas da Foz, existe uma mercearia abandonada. Na montra, como uma mercadoria esquecida, repousa um grande e gordo gato siamês. Enroscado sobre si mesmo, ignora os olhares dos transeuntes, entregue a um sono profundo apenas interrompido para seguir a posição dos raios de sol e se ir aninhar uns centímetros ao lado, onde ele incide com maior intensidade.
Todos os dias, passo, olh...o-o e invejo-o. Desafio-o a mirar-me; não quer saber. Ignora-me. Ignora ter de interagir com os outros, ter de ser reconhecido por eles, ter de construir uma carreira profissional. Ignora a necessidade de ser amado, a dor da rejeição, a dificuldade de um relacionamento conjugal.
A ele bastam-lhe uma nesga de sol, uma fêmea na época de acasalamento e um ou outro, ratitos que passem por ali.