Quarta-feira, 10 de Novembro de 2010

O Grito

No início, quase parecia uma pergunta filosófica: interroguei-me de onde vinha, quem o dava, por que razão. Era um grito intenso, assustador, forte, sofrido. Durava uns segundos, o que fazia com que o alarme inicial que me provocava nem sequer tivesse tempo de ser investigado ou socorrido, pois logo se instalava, de novo, a calma. Mas naquela fracção de tempo a casa tremia, as paredes tornavam-se de papel, trespassadas por aquele som angustiante, o meu coração acelerava de pânico e os meus cinco sentidos disparavam em alerta: Que raio era aquilo?!
Depois, com o tempo, fui-me habituando. A experiência dizia-me que nada de mal dali advinha, que aquele horror era passageiro e inconsequente, que daria lugar novamente à calma e à ordem. Apercebi-me, contudo, que não era a horas certas. Umas vezes à tarde, outras de madrugada, outras aos fins-de-semana de manhã, era aleatória a sua exclamação. Previsível era a rotina que se lhe seguia e em que comecei a reparar: um descer de escadas, um bater da porta da entrada, um ligar de carro na rua.
Um dia, a curiosidade foi mais forte do que eu e segui-o. Depois de o ouvir, colei o olho à mira da porta, espiando as escadas do prédio. Vi-o descer descontraído, assobiando, aliviado. Vi um homem alto, entroncado, ligeiramente calvo, mas de viris braços peludos, aquele mesmo que um dia, à entrada de casa, vira roubar um beijo à cinquentona inquilina de cima e percebi finalmente o porquê de todo aquele clamar: aquele grito de dor, de aflição, de tormento, mais não era do que o orgasmo histriónico do histriónico namorado da vizinha.

Originalmente. postado aqui
 
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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 17:21
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Segunda-feira, 25 de Outubro de 2010

Com "O grito"...

Hoje, sou a convidada do Delito de Opinião. Vão ler, vão!
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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 13:33
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Segunda-feira, 5 de Julho de 2010

A culpa não é minha; é dele!

Um fim de tarde magnifico. Uma amiga telefona-me, desafiando-me para um passeio à beira mar. Eu resisto. Digo que não, que tenho de trabalhar. Sem vontade, arrasto o portátil para a varanda − na tentativa de me iludir de que não estou a perder os últimos raios de sol − e preparo-me para rever o meu próximo trabalho literário, pendente há uma data de tempo. O silêncio reina, as ruas estão desertas, pois na televisão joga um dos favoritos do campeonato do mundo de futebol. Só a natureza, ao longe, dá sinais de vida com o piar ávido das gaivotas sobrevoando o Atlântico. Sento-me. Rodeio-me das várias versões do manuscrito, abro o Word. Esforço-me para me concentrar. Aqueço os dedos, como um pianista, preparando-me para debitar a primeira palavra. Mas eis que sou interrompida pelo som estridente do grilo que habita a gaiola em cima do frigorífico. Um som agudo, alto, muito alto, que me agride os ouvidos, me fere os tímpanos, levando-me constantemente, quando estou perto dele, a equacionar pô-lo porta fora, quebrando, desta vez, com a tradição anual de todas as Primaveras, pelas festas populares, comprar um destes insectos cujo cantar anuncia o Verão.
Desligo o portátil, pego no telemóvel e marco:
− Estou, Ana? Onde estás que vou ter contigo?!
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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 17:37
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Terça-feira, 15 de Junho de 2010

Há qualquer coisa de errada com os machos da minha família

No outro dia experimentei uma receita da Nigella: o Chocolate Pistachio Fudge. Segui-a à risca, não esquecendo até a sua desastrada badalhoquice (Sofia, só tu para me fazeres usar esta palavra. Blahc!)
Levei a iguaria para o almoço anual de família: quase uma centena de pessoas, das quais cinquenta por cento eram representantes do sexo masculino. Ninguém a provou. Nem um! Eu bem incentivei, usando o irrefutável argumento junto dos "possantes machos viris": “É uma receita da Nigella”, mas a rapaziada não frequenta a blogosfera, nem vê a Sic-Mulher e fitou-me com um ar enjoado e com uma incógnita no olhar: “Da quem?”. Um desconsolo! Foi uma pena o Francisco José Viegas não estar por lá. Ou o Afonso!
À noite, bem me lambuzei, sugando gulosamente os dedos, quando a meti no frigorífico, mas − bolas! − nem o meu marido lhe pegou!


(Inicialmente, postado por mim no 31 da Armada)
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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 02:58
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Quinta-feira, 25 de Março de 2010

Por aqui, limpam-se feridas e narizes com gasóleo

Estou outra vez na Alemanha. No país do desenvolvimento. É conhecida a minha relação de amor/ ódio com o país “maravilha” que me deu o meu último apelido. Tudo aqui exala robustez e tecnologia. Em casa, tenho três computadores, um deles ligado a um ecrã tão grande que, confesso, até me sinto intimidada pelos meus textos, enquanto os escrevo. Na garagem, um carro veloz e seguro. Na sala, uma televisão com tantos comandos que nem consigo entender para que cada um deles serve. Uma aparelhagem XPTO. Umas colunas XYZ. É normal, todos (ou muitos) têm. São acessíveis a muita gente.
Ontem precisei de álcool e de soro fisiológico. Fui a um supermercado, como sempre faço em Portugal. Não havia. Procurei numa drogaria. Também não encontrei. Recorri a uma farmácia. Consegui o soro, num formato estranho... e caríssimo! Já com o álcool não tive tanta sorte: só mo deram depois de garantir a pé juntos que não o ia beber.
Não é por nada, mas tenho para mim que as crianças alemãs limpam as feridas e o nariz com gasóleo...
 
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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 03:25
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Terça-feira, 2 de Março de 2010

Louca

Gostava de ser metódica. Pontual. Organizada. Irrepreensível.
Gostava de ser correcta nos meus hábitos: de acordar às oito, de tomar o pequeno-almoço, de almoçar ao meio-dia em ponto, de lanchar às cinco.
Gostava de comer regradamente, de me deitar cedo, de cedo me erguer. De ter rotinas. Horários. Disciplina.
Gostava de ser normal. De gostar do dia, mas é a noite – essa louca! – a minha amante.
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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 03:43
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Quarta-feira, 15 de Abril de 2009

Números arriscados

Estou outra vez na Alemanha. A poucos metros de minha casa encontra-se acampado um circo. Um circo imenso, rico, repleto de animais e caravanas, com uma tenda faustosa encimada por quatro coroas a denunciar-lhe o nome: Krone.
Nele abundam cavalos (mais de sessenta, informa a sua página na Internet), elefantes, leões, lamas, camelos, zebras, cabras, burros, pombas, cães e, até, um rinoceronte. O preço dos espectáculos é também ele nobre, podendo rondar os quarenta euros, havendo, contudo, a plebeia opção de, por quatro, visitar, apenas, a bicharada.
Não gosto de circos. Não gosto da estética, nem da ideia de existirem animais selvagens a executarem, sob a ordem ˗ supostamente superior ˗ de humanos, números acrobáticos patéticos. Acho tal humilhante para tão nobres especímenes. Desagrada-me também vê-los confinados a espaços diminutos, acorrentados, movendo-se repetidamente, para um lado e para o outro, num hospitalismo evidente, apesar das informações da Direcção garantirem o cuidado nos seus tratos e a sua aprovação por parte de organizações de protecção de animais. Contudo, as reminiscências do meu imaginário infantil e a minha curiosidade, sobrepõem-se à razão e impelem-me, frequentemente, a ir observar de perto este controverso universo.
Assim, todos os dias passeio junto aos portentosos elefantes, dirigindo-lhe palavras afectuosas solidárias, relembrando o destino trágico da mãe do Dumbo, ou passo perto do pequeno burrito imaginando-o um menino preguiçoso transformado, qual Pinóquio, em asinino, por castigo. Mio, ternamente, em frente do majestoso leão branco, ex-libris do circo, tomando-o por um pequeno felino doméstico, sendo arrastada para a realidade sempre que este resolve soltar os pulmões e rugir à desgarrada com o macho dourado da jaula oposta. Gosto também de escutar as conversas das acrobatas eslavas, agrestes na pronúncia e no tom, falando, talvez, de invejas amorosas, e ver a trupe chinesa do Shaolin Kung-Fu fazer exercícios de aquecimento nas traseiras da tenda, antes de entrar em cena. Mas o meu número predilecto, o meu preferido, aquele que me arranca gargalhadas de me fazerem vir as lágrimas aos olhos, é assistir às expressões dos inocentes infantes germânicos, quando os seus pais, longe de esperarem tal espectáculo, os levam a ver os animais, e perversos caniches brancos, encaixados uns nos outros, numa verdadeira performance acrobática, encetam em grupos de quatro ˗ ou mais! ˗ arriscados e difíceis comboinhos homossexuais.
 

© Foto: Sofia Bragança Buchholz

 

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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 02:48
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Quinta-feira, 5 de Fevereiro de 2009

Não invente. Para quê cartão Continente?!

Tive a infeliz ideia de aderir, na altura do lançamento – quando quase todos os produtos tinham descontos – ao cartão Continente. Assim, num impulso entusiasta ingénuo, ofereci de mão beijada os meus dados e o meu perfil de consumo ao Grupo Sonae.
A partir daí raramente obtive descontos. Quando questiono “porquê?”, as meninas da caixa encolhem os ombros e dizem-me que estes só existem em determinados produtos, os quais quase nunca fazem parte das minhas escolhas. Garantem-me, contudo, que quando atingir os 500 euros de compras serei recompensada.
Ontem atingi esse “chorudo Jackpot”, mas confesso que preferia que tal não tivesse acontecido. É que, uns míseros 5 euros de crédito no cartão, fizeram-me ter consciência de que já gastei tanta massa nas lojas do tio Belmiro.

[também postado aqui]
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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 20:47
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Segunda-feira, 2 de Fevereiro de 2009

Continuo a sonhar com África

© Foto: ? / Na foto: Laetitia Casta

Recebo um SMS de África. Na Mauritânia, um amigo meu janta em casa do seu guia, com a família deste. Sentados no chão sobre almofadas, comem um cabrito [fantástico] com arroz frito. “Primeiro comem-se tâmaras com natas; depois o cabrito; só depois, então, o arroz. Tudo com as mãos e da mesma travessa”, diz.
Falam de escravatura e ouvem música árabe. O pai do seu guia é berbere. Tem cinco mulheres e dezasseis filhos. Pertencem-lhe cinquenta escravos. A escravatura foi abolida oficialmente em 1980, mas continua a existir. “A maior parte dos escravos prefere continuar assim porque tem comida e tecto. E não são espancados”, informa-me.
Imagino-me ali sentada. Entre o filho e o pai do guia, de dedos gordurosos e paladar satisfeito. Oiço a música que toca. Sinto o cheiro seco da terra árida invadir-me as narinas. As cores ocres da paisagem consolam-me a vista. Tenho os sentidos em alerta. Estou em África!
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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 05:45
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Domingo, 1 de Fevereiro de 2009

A bela África

© Foto: ? / Na foto: Laetitia Casta

Não há um livro que me prenda, um filme que me empolgue, um acontecimento que concentre a minha atenção.
Em contrapartida, dou comigo, recorrentemente, a sonhar com tons caqui e padrões selvagens, safaris e longas caminhadas, sob o sol abrasador – e único – do belo continente africano.
publicado por Sofia Bragança Buchholz às 04:58
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Quarta-feira, 27 de Fevereiro de 2008

Sobre os Direitos dos Animais

Chovem, quase diariamente, nas nossas caixas de correio, mails com petições contra os mais variados tipos de atrocidades infligidos, mundialmente, a animais.
A maior parte das vezes, apagamo-los, porque na nossa já tão complicada vida queremos é esquecer a desgraça e iludir-nos que o mundo corre, senão belo, pelo menos harmoniosamente, à nossa volta.
Nos últimos tempos, contudo, tenho reflectido sobre este assunto e visto vídeos e fotografias onde estas barbaridade estão documentadas. Digo-vos, não é fácil! Estas são atrozes, chocantes, repugnantes. A maioria das vezes, tenho dificuldades em as conseguir ver até ao fim!
A carnificina é variada:
Há quintas onde animais são mantidos nas condições mais degradantes – expostos na sua já curta vida ao frio, à fome, à sede e a falta de espaço – para acabarem mortos por electrocussão anal ou vaginal, para que a sua pele não fique danificada, muitas das vezes, não sendo esta fatal à primeira, acaba por ser arrancada ainda com eles vivos.
Já na romântica e requintada França há quintas de criação de gansos e patos para produção da famosíssima delicatesse “fois-gras” que são autênticas fábricas de tortura. Este, consegue-se através da alimentação forçada dos animais, sendo-lhes enfiados tubos pela garganta, duas ou três vezes por dia, e quantidades absurdas de ração e gordura bombeadas continuamente para o estômago destas aves, que lutam desesperadamente para fugir. Muitas vezes, os tubos perfuram as gargantas dos animais, causando-lhes hemorragias fatais e dores insuportáveis.
Na China, por exemplo, os animais são apanhados pelas autoridades de forma brutal, literalmente, engaiolados em compartimentos minúsculos onde mal se podem mexer e ficam imobilizados horas para serem abatidos de forma cruel, à paulada ou enforcados.
Também neste país, animais domésticos – mas também vacas, galinhas e coelhos… são jogados vivos nos recintos dos leões e tigres, em jardins zoológicos, e servidos como alimento. Funcionários do zoo incentivam os turistas a comprar estes animais para oferecer aos predadores e assim se divertiram a presenciar o repasto.
Tudo isto, já para não falar no uso de animais na industria do entretimento, na cosmética, na decoração, na experimentação e até na pornografia!
É evidente que é impossível a alguém civilizado ficar indiferente a esta barbárie e, aqui, é fundamental o papel das instituições de defesa dos animais na divulgação e sensibilização destes crimes. Contudo afasto-me destes organismos, geralmente nisto: é que na defesa de princípios inquestionáveis caiem, grande parte das vezes, em radicalismos extremos.
Comer carne é natural para nós, como o é para os tigres e leões e para todos os outros carnívoros à face da terra. O que é inconcebível é que os bichos que comemos tenham de sofrer para/ e ao morrer. Sendo nós, os humanos, especialmente, mestres na tecnologia (e no Direito), porque temos de infligir vários choques até que a nossa presa morra electrocutada? Porque temos de lhe tirar a pele ainda viva? Porque temos de a deixar sangrar até morrer? Porque temos de a manter, nas suas já curtas vidas, em compartimentos minúsculos, amontoada com milhentas outras, nas condições mais adversas de higiene, rodeadas de fezes, urina e escuridão, vivendo na mais profunda infelicidade?
Em nome da economia de custos, dos costumes e da moda, entre outros, eu sei, mas com estes não posso compactuar.
É inconcebível que em pleno século XXI um artista plástico – o costa-riquenho Guillermo Habacuc Vargas – exponha um cão vadio numa galeria de arte e o deixe morrer à fome e à sede perante os olhos atentos de um público faminto de cultura. E que ainda para mais seja premiado por isso! (o artista foi escolhido para representar o seu país na "Bienal Centro-americana Honduras 2008")
É estapafúrdio que num país como o nosso, em nome da tradição, os organizadores da festa de Carnaval em Campia (Vouzela) metam um gato num cântaro de barro – onde, em pânico, fica fechado até à hora da festa – o icem num mastro forrado com palha, para, no fim do desfile, lhe lançarem fogo, que, ao queimar a corda, o deixa cair ao chão e, então, sair o pobre gato que corre desnorteado, tendo ainda à perna foliões mascarados que o perseguem com paus e tenazes na mão, tentando apanhá-lo. Repito, é surreal!
Há, ainda, outra questão porque me afasto do radicalismo destas organizações: é que compreendo que em muitos dos países onde isto acontece, a vida humana tem um valor diminuto, comparado com o que se lhe atribui nos países ditos civilizados, e não são respeitados nem os direitos humanos quanto mais os direitos dos animais! Nestes casos, assinar petições contra o boicote mundial dos seus produtos seria, para além de nada resolver em relação aos animais, contribuir para a degradação do seu já, muitas das vezes, miserável povo. E entre os animais e os humanos – por muito que algumas vezes me custe – ainda escolho, obviamente, os segundos.

Nota: Os vídeos e imagens supra mencionados podem ser vistos, por exemplo: aqui, aqui, aqui. Aconselho vivamente – quem for capaz – a vê-los. É completamente diferente ler sobre estas barbaridades de ver as imagens. Estas, contêm cenas chocantes de violência contra animais e, REPITO, não devem ser vistas por pessoas facilmente impressionáveis.

[também postado aqui]
 
publicado por Sofia Bragança Buchholz às 20:56
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Quarta-feira, 13 de Fevereiro de 2008

Ambientes: O Glamour Europeu

 
A 4 de Outubro de 1883, a Europa rejubilava com o aparecimento do Orient-Express, um glamouroso comboio que partia de Paris com destino a Constantinopla (hoje, Istambul, na Turquia). Foi considerado um dos comboios mais luxuosos do mundo, com passageiros que iam desde burgueses milionários até membros da mais alta aristocracia europeia.
Mas este entusiasmo não chegou a durar um século, pois as duas grandes guerras destruíram parte dos seus vagões e a linha foi gradualmente desactivada. Aliás, desde a sua inauguração que a sua rota foi alterada diversas vezes, fosse por questões de logística, ou por questões políticas.
Graças ao empresário James B. Sherwood, que comprou alguns vagões originais e investiu milhões de dólares no seu restauro, surge, em 1982, novamente no cenário europeu uma variante do original Orient-Express. Nesse ano, entra em funcionamento o requintado Venice Simplon Orient-Express (VSOE), sendo o seu trajecto principal feito entre Londres, Paris e Veneza (existindo, contudo, ainda outros percursos alternativos).
A configuração habitual do Venice Simplon Orient-Express é composta por dezassete carruagens, mais a locomotiva: são onze carruagens-cama, três carruagens-restaurante, uma carruagem piano-bar e duas carruagens para tripulação e serviço. As áreas públicas situam-se no centro da composição e as carruagens-cama nos seus extremos. Estas têm lavabos, mas as casas-de-banho encontram-se no exterior.
Cada composição é individualizada pela sua – belíssima, diga-se – decoração única, da autoria de famosos designers do período Deco: Lalique, Dunn, Maple, Morrison, Nelson, Prou.
As refeições a bordo deste comboio são inesquecíveis. Todos os pratos são cuidadosamente confeccionados por cozinheiros franceses, com os mais delicados e frescos ingredientes e servidas nos “Restaurant Cars”. Um dos mais conhecidos, o "Lalique", foi construído em 1929 e decorado ao estilo "Côte d’Azur" por René Lalique.
Enfim, são cerca de trinta horas de viagem, numa atmosfera a fazer lembrar a que nobres, intelectuais, lordes, diplomatas e burgueses abastados viveram no passado. Para mim, apenas um senão: mesmo sendo pouco mais de um dia de viagem, o facto das casas de banho não terem chuveiros.


[Postado também aqui]

 

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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 01:20
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Sábado, 2 de Junho de 2007

Antigamente é que – não – era bom

Se há coisa que me maça, é aquele discurso do tempo da outra senhora, do antigamente é que era bom. Antigamente é que se lia, antigamente é que se aprendia, antigamente é que se era culto… Antigamente, faziam-se as contas de cabeça, liam-se os clássicos à luz da vela, recitavam-se os poetas de cor. Como se o sacrifício e a falta de meios tecnológicos fossem sinónimos de literacia! Antigamente, também, a informação chegava em escassez a uma minoria, imensas mulheres não iam à escola e, por mais que isto doa a muita gente, eram sempre os mesmos a fazerem-se ouvir. Ou seja, a editar.
Eu que nem sou de antigamente, mas que fui educada por preceptora particular desse tempo, paga a peso de ouro para ensinar os meninos com os mais eruditos vocábulos e as mais complexas formas da aritmética, não me lembro de em toda a minha instrução primária ter aprendido o aparelho reprodutor, o sistema urinário ou o respiratório. Em contrapartida, o meu sobrinho Tomás, destroca definições de espermatozóides, ovócitos, e ureteres com a mesma facilidade com que domina jogos de tazos e vence níveis na Playstation.
Sabia História, é verdade, que fiquei a odiar por a “cartilha” ter uma imagem tenebrosa para um público daquela idade, de D. Fernando, esquelético, agrilhoado em Fez, com os ratos, famintos, aos pés.
Não dava erros…? Uma ova é que não dava! Dava-os e aos magotes, principalmente no inicio do ano lectivo, quando eram testados – e condenados – com ditados penosos os nossos devaneios de Verão. Doíam-me, a cada segunda palavra riscada, os gelados com que me regalara, e, no fim, já com um 50 a vermelho no canto superior direito, das 100 palavras que compunham o texto, não chorava das reguadas (que estavam proibidas pelos meus pais) mas da vergonha que era ter-me divertido.
As composições eram raras e as temáticas – indicadas – quase sempre as férias ou as estações do ano e quando as relembro e as comparo com as do Tomás que versam sobre sonhos e seres fantásticos, roo-me de inveja!
Sabia, também, de cor, as linhas-férreas nacionais, informação “utilíssima”, aliás, (e a sorte que eu tive de já não ter de aprender as das ex-colónias!) que me serviu “imenso” nesta minha vida viajada, e que hoje, nestes tempos – Oh, Céus! – “perdidos!”, “de ignorância!”, se consegue a um simples gesto, a um fácil clicar e aceder de site.

 

Imagens retiradas daqui
 
publicado por Sofia Bragança Buchholz às 02:50
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Domingo, 27 de Maio de 2007

Ainda sobre a Polícia Portuguesa

Ainda sobre a polícia portuguesa, esse maravilhoso escol mundial, apraz-me partilhar convosco as poucas, mas dignas de relato, experiências que tive com ela.
Das várias vezes que me assaltaram o carro, nunca essa força de elite me encontrou o larápio, o que, sendo uma prática comum na zona onde habito e um comportamento padronizado por parte dos malfeitores, penso não seria difícil para essa magnífica autoridade de concretizar, ou, melhor ainda, prevenir. Os malfeitores actuam invariavelmente à noite quando vêem na área um carro novo; nunca se arriscam a estroncar uma porta ou um vidrozito em ruas principais, ficando-se pelas pequeninas que as circundam, sendo até uns tipos decentes, porreiros mesmo, abstendo-se da pilhéria quando os informamos, através do porta-luvas aberto, que ali não há nada para levar. Nos carros habitués, estes gentlemen, não tocam, não os ilibando, contudo, o facto de nos rebentaram os vidros dos carros novinhos em folha que, ao engano, julgam não fazer parte do espólio dos moradores e dos quais desconhecem ainda os “hábitos de arrumação de interiores”. Uma das vezes, demos, até, de caras com um destes senhores, que tão surpreendido como nós, mas bastante mais ágil, pisgou-se rapidamente, assegurando-nos, contudo: “eu não roubei nada, eu não roubei nada.”. Pois não. Não havia nada para roubar! Mas este “querido” esqueceu-se que quem tinha de pagar a conta do vidro não era ele: éramos nós. Apresentada a queixa na esquadra, descrito o ladrão, o agente, familiarizado com a ocorrência, assegurou-nos que já sabia quem era, e mandou-se então buscar a casa, vulgo, à toca, este lobo de trazer por casa. Não era o homem que procurávamos mas, pelos vistos, um que agia de forma igual e que, partindo a torto e a direito vidrozinhos a carros, roubando aos magotes rádiozitos e leitores de CD`s, circulava, ali – e na minha rua, caraças! – na paz do senhor… agente.
Outra das vezes, e esta foi das mais hilariantes que me ocorreu, acabadas de sair do health club, ainda de cabelo lambido da piscina e desarranjadas, eu e uma amiga conversávamos dentro do carro distraídas, concentradas que estávamos na verborreia, pois são assim as mulheres, e eis que, surpreendentemente, sentimos o carro abanar violentamente. Espreitando pelo vidro verificamos, atónitas, ser uma turba de polícias (uns cinco ou seis), os autores do crime. Meus caros leitores, asseguro-vos que não era Carnaval e por isso, confiantes de estarmos, mesmo, perante essa coisa magnífica e segura que é a autoridade portuguesa, abrimos a porta e perguntámos o que se passava. À toa, e aos risinhos, estes excepcionais corpos de intervenção, responderam que estavam apenas a ver se se encontrava gente dentro da viatura, apressando-se a seguir caminho rumo à sua esquadra que, aliás, se situava, ali mesmo, a uns cinquenta metros. Ora bem, pasmadas, boquiabertas, eu e a minha amiga entreolhamo-nos e interrogamo-nos se estariam a testar a suspensão do BM? Era bom que estivessem: é que, do mal, o menos! Mas uma coisa é certa, para nós, a partir daquele momento, a autoridade nacional perdeu, definitivamente, a imagem e o respeito de autoridade.
 
publicado por Sofia Bragança Buchholz às 18:25
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Segunda-feira, 24 de Abril de 2006

Uma Espécie de Redoma

Como toda a gente, tinha segredos que a ninguém confessava. Havia um, porém, que numa espécie de superstição, guardava com especial cuidado, não fosse a revelação afastar os seus efeitos mágicos.
Quando o caos se instalava, e o mundo ameaçava desabar, pegava no carro e conduzia, invariavelmente, rumo a um lugar secreto. No leitor de CD`s a música acalmava-lhe a angustia e a brisa, nos cabelos, relativizava-lhe os problemas. O sol, mesmo quando não brilhava, iluminava-lhe as ideias e a humidade − vinda do mar − refrescava-lhe as emoções.
Chegada ao local estacionava, mesmo ali, perpendicular ao oceano, e ficava a ver o voo picado das gaivotas e a invejar a sua leveza. Via-as planar, aproveitando a força do vento, num bailado dessincronizado, mas perfeito. Via-as fintar a gravidade, numa descolagem arrojada e engana-la, numa aterragem elegante. E ficava, ali, no meio delas − tantas! − num exercício sobrenatural de criatividade, a elevar-se com elas no ar e a cortar o céu com a mesma veloz graciosidade.
Depois, fechava os olhos e sentia a espuma bravia do mar salpicar-lhe as pernas, as mãos, o rosto, … penetrar-lhe os lábios − Ahhh! − num intenso orgasmo, salgado. Sentia o vento encaracolar-lhe os cabelos e sussurrar-lhe ininteligíveis segredos ao ouvido; e o cheiro da maresia invadir-lhe, violentamente, as narinas, seguir-lhe até ao cérebro e arrancar-lhe a imaginação para alto mar, sem rumo e sem fim, numa viajem alucinante de sentidos.
Depois, abria novamente os olhos e deitava-se na areia. Mergulhava, então, por ela adentro, numa movediça excursão ao centro da Terra, ao seu calor, ao seu âmago, ao seu sentido de ser…
E, sem resposta, acordava − já calma e humana − no carro que a trouxera, e que estacionara, ali mesmo, perpendicular ao oceano, uma espécie de redoma metálica onde, temporariamente, todo o mal tinha solução e todo o caos era ordem.

©
Sofia Bragança Buchholz, 2006. Reprodução Interdita
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publicado por Sofia Bragança Buchholz às 19:52
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