Acertei no Euromilhões. Três números e uma estrela! Uma combinação difícil, incomum, rara. Imagino o que se terá passado com os astros no preciso momento em que rabisquei os algarismos e em que estes foram extraídos da tômbola, para isso acontecer: Marte terá alinhado com Vénus; Saturno com Júpiter; Mercúrio com Urano e o Sol, esse, terá entrado na décima casa. Toda uma complicação, toda uma conjugação de improváveis para um mísero prémio de vinte e quatro euros e quarenta e um cêntimos!
Imagem: The collection of erotic photos XIX-XX century
Demiurgo descobriu o Facebook. Assina Demiurgo Bernardo d` Eça. Assim mesmo, com três nomes como todo o homem de bem naquela rede social, e apóstrofo. Escreve sábias frases de refinado humor político no mural, mas no chat conversa com mulheres de carnes fartas que dão pelo nome de Elisabete ou Carmem. Troca com elas fotografias menos próprias – ele de ceroulas, a esconderem-lhe debalde a erecção tímida; elas escancaradas, a oferecem-lhe o sexo ou a apelarem-lhe, desavergonhadamente, a ele. E sozinho, à noite, de lunetas encarrapitadas no nariz aquilino e de olhar atento, já desapossado de paletó e fato, dá-se aos prazeres do onanismo, enquanto lhes contempla regozijado as redondas nádegas brancas.
Como se não tivesse mais nada que fazer, estou viciada nos questionários do Facebook. Ontem fiz o quiz "What were you in a previuos life?" e deu-me como resultado que fui Presidente. Acho bem, condiz comigo. Só não percebo, então, por que fui eu reencarnar nesta vidinha de caca.
Na foto: Jane March e Tony Leung Ka Fai / Música: Portishead - Glory Box
I'm so tired, of playing Playing with this bow and arrow Gonna give my heart away Leave it to the other girls to play For I've been a temptress too long
Just...
Give me a reason to love you Give me a reason to be, a woman.
Estou outra vez na Alemanha. A poucos metros de minha casa encontra-se acampado um circo. Um circo imenso, rico, repleto de animais e caravanas, com uma tenda faustosa encimada por quatro coroas a denunciar-lhe o nome: Krone. Nele abundam cavalos (mais de sessenta, informa a sua página na Internet), elefantes, leões, lamas, camelos, zebras, cabras, burros, pombas, cães e, até, um rinoceronte. O preço dos espectáculos é também ele nobre, podendo rondar os quarenta euros, havendo, contudo, a plebeia opção de, por quatro, visitar, apenas, a bicharada. Não gosto de circos. Não gosto da estética, nem da ideia de existirem animais selvagens a executarem, sob a ordem ˗ supostamente superior ˗ de humanos, números acrobáticos patéticos. Acho tal humilhante para tão nobres especímenes. Desagrada-me também vê-los confinados a espaços diminutos, acorrentados, movendo-se repetidamente, para um lado e para o outro, num hospitalismo evidente, apesar das informações da Direcção garantirem o cuidado nos seus tratos e a sua aprovação por parte de organizações de protecção de animais. Contudo, as reminiscências do meu imaginário infantil e a minha curiosidade, sobrepõem-se à razão e impelem-me, frequentemente, a ir observar de perto este controverso universo. Assim, todos os dias passeio junto aos portentosos elefantes, dirigindo-lhe palavras afectuosas solidárias, relembrando o destino trágico da mãe do Dumbo, ou passo perto do pequeno burrito imaginando-o um menino preguiçoso transformado, qual Pinóquio, em asinino, por castigo. Mio, ternamente, em frente do majestoso leão branco, ex-libris do circo, tomando-o por um pequeno felino doméstico, sendo arrastada para a realidade sempre que este resolve soltar os pulmões e rugir à desgarrada com o macho dourado da jaula oposta. Gosto também de escutar as conversas das acrobatas eslavas, agrestes na pronúncia e no tom, falando, talvez, de invejas amorosas, e ver a trupe chinesa do Shaolin Kung-Fu fazer exercícios de aquecimento nas traseiras da tenda, antes de entrar em cena. Mas o meu número predilecto, o meu preferido, aquele que me arranca gargalhadas de me fazerem vir as lágrimas aos olhos, é assistir às expressões dos inocentes infantes germânicos, quando os seus pais, longe de esperarem tal espectáculo, os levam a ver os animais, e perversos caniches brancos, encaixados uns nos outros, numa verdadeira performance acrobática, encetam em grupos de quatro ˗ ou mais! ˗ arriscados e difíceis comboinhos homossexuais.
Irrita-me esta minha obsessão pelas limpezas antes de viajar. Não sei de onde vem, nem lhe percebo a lógica. Aspiro, lavo, passo a ferro, amontoo, impecavelmente, a roupa em pilhas ordenadas, limpo imaculadamente os móveis e as loiças sanitárias. Deixo a casa um brinco; mas eu fico de rastos. Tão de rastos que já nem me apetece partir.