Quarta-feira, 29 de Novembro de 2006
Ela gostava do seu carro potente, dos seus fatos Armani, do cheiro requintado, do seu after shave.
Gostava de cada fio dos seus cabelos, das suas mãos, da sua pele áspera, a denunciar-lhe a (matur)idade.
Gostava dos seus lábios, dos seus olhos, do toque dos seus dedos.
Gostava dos seus beijos, do seu sexo, da sua protecção.
Gostava do seu poder e dos seus conhecimentos; do seu sucesso e do que o seu dinheiro podia comprar.
Gostava da sua integridade, da sua frieza, do seu sangue frio. Da sua presença, do seu charme, do seu estilo.
Gostava das suas canetas, dos seus relógios, das armações dos seus óculos.
Gostava dos seus motoristas, dos seus assessores, [dos idiotas] dos seus conselheiros.
Gostava dos seus vírus, das suas bactérias, dos seus fungos, dos seus vermes.
Gostava dos seus filhos, do seu cão, dos peixes do seu aquário e… [porra!]... ironia das ironias, gostava, até, da sua mulher!
Terça-feira, 28 de Novembro de 2006
Personagens:
• Simão, 6 anos
• Mãe do Simão
• Eu (como narrador)
Acção:
Esta semana, o Simão chegou a casa a dizer que gostaria muuuuito de frequentar aulas de maqueta.
Admirada, a minha irmã questionou-o se tinha estado no atelier dos avós (ambos os avós maternos, bem como o tio e o primo mais velho são arquitectos) e se tinha visto, por lá, alguma maquete que lhe tenha despertado o interesse. Perplexo, ele respondeu:
− Não, mãe! O que eu quero é saber sobre a vida de Jesus! Não achas que é importante saber sobre a vida de Jesus?!!
Ao que a minha irmã, retorquiu, aliviada:
− Ah! Aulas de catequese!
Segunda-feira, 27 de Novembro de 2006
Domingo, 26 de Novembro de 2006
Deixem-me chorar, morrer, arrefecer na pedra gelada do chão. Quero sentir ainda mais fria a minha dor. O Meu Amor morreu e nada mais faz sentido.
Deixem-me ter pena de mim; descer, infeliz, ao fundo do poço; bater-lhe, miseravelmente, na base; acreditar, cegamente, que, no fim do túnel, não existe luz.
Parem de me escrever palavras de esperança, de me alegrar, de me acenar com futuros risonhos, ou mostrar que existem outros caminhos. Não quero saber.
Não quero estar feliz, não quero expressar alegria, não quero cessar este descontentamento.
Sou uma eterna apaixonada: sinto-me bem, sentindo-me mal; sou dependente da paixão.
Estou viciada, sim, no Meu Amor, essa projecção dos meus desejos, esse ideal de relação perfeita.
Será que não entendem que a minha feniletilamina perdeu o controlo sobre a norepinefrina, a serotonina e a dopamina? Que a oxitocina, esse estúpido cúpido, errou no alvo e atingiu as minhas próprias vontades, ligando-me para sempre, ao amor ideal?
Deixem-me, deixem-me, deixem-me! O Meu Amor morreu e com ele, também, parte da minha fé!
Sábado, 25 de Novembro de 2006
Na foto: Laetitia Casta
Sexta-feira, 24 de Novembro de 2006
um golinho que fosse:
"E o que era a boa nova? Esta: todo jovem escritor que provasse da fruta da Árvore das Ficções (ou do coquetel por Joyce preparado) receberia, na hora, a faca e o queijo, o serrote, o alicate, o martelo e a bigorna, a régua e o compasso, o esquadro, o prumo, a lupa, a linha e a agulha, os vidrinhos de tempero, isto é, os cheiros e as pimentas, a manha, o engenho, a catapulta, o estilingue, a enxada e a foice, ou seja, tudo aquilo que (conforme os mais doutos manuais) um escritor, nos recônditos de sua oficina, precisa diariamente usar para dar forma aos seus delírios e às suas fantasias, tudo com a destreza de um gato, a impetuosidade de um tigre, as manganilhas de um jogador de pôquer." [Texto de: Paulinho Assunção]
© Foto: Ruven Afanador
Quinta-feira, 23 de Novembro de 2006
Quando dou de comer aos patos do Parque da Cidade, uma das minhas predilecções − sim, porque na vida nada é de graça, tudo tem o seu preço ou esforço − é fazê-los esticarem-se, darem balanço, e saltarem para apanharem o pedacinho de pão que seguro apenas a alguns centímetros das suas cabeças, vendo-os invariavelmente após este acto, abanar o rabinho de um lado para o outro, como que para restabelecerem o seu equilíbrio terreno. Outras vezes, divirto-me a fazê-los apanharem no bico, à primeira, como cãezinhos amestrados, o pão que lhes atiro com pontaria, congratulando-os com um entusiasta “Boa!”, sempre que o conseguem fazer.
Desconhecendo esta minha faceta, o Simão, ficou fascinado, um destes dia, intitulando-me: a treinadora de patos.
Querendo imitar-me, resolveu tentar a sua sorte com um jovem cisne cinzento, fazendo-o focar-se no pão que os seus pequenos dedos da mão esquerda seguravam. Acontece que os cisnes, mesmo os jovens, são altos, e ainda mais altos, quando comparados com um miúdo de seis anos. Além disso, são um pouco pitosgas, o que penso dever-se ao seu sistema de visão (*), cuja focagem, imagino, deva consistir na fixação do ponto, alternativamente, com o olho esquerdo e direito, falhando muitas das vezes o alvo. Estes dois ingredientes, acrescidos do atrevimento do animal foram o suficiente para ter sido demasiado longa a investida do bicho e saírem lesados os tenros dedos do Simão.
O susto do miúdo (apesar de o tentar acalmar, garantindo-lhe que os cisnes não têm dentes e que tinha sido apenas a pressão do bico) valeu-me uma escandaleira, em que em altos berros, agarrado à mão, gritava, indicando os animais: − SÃO CARNÍVOROS! ESTES CISNES SÃO CARNÍVOROS! ARRANCARAM-ME A MÃO!!
(*) Pesquisei sobre este tema na net, mas não encontrei nada
Quarta-feira, 22 de Novembro de 2006
Que não há nenhuma outra mulher no mundo...
Anúncio da Victoria´s Secret
... like ME!
Ah!, maldito coração, este, o meu − de Mulher − que se enternece com o canto, aparente, do rouxinol; que se comove com o gemer, ilusório, dos violinos; que se derrete com os beijos pérfidos, do Seu Amor!
Terça-feira, 21 de Novembro de 2006
Na foto: Claire Danes e Leonardo Dicrapio
...
If love be blind, love cannot hit the mark.
...In "Romeo and Juliet", de William Shakespeare;
Acto II - Cena II
Segunda-feira, 20 de Novembro de 2006
Personagens:
• Eu
• Simão, 6 anos
Cenário:
O Simão chega a minha casa para passar o dia comigo. Na mão, trás um brinquedo novo, acabadinho de comprar. Eu gabo-lho:
Eu: − Ena, que giro! Compraste o Zorro e o seu cavalo Tornado?
Simão [orgulhoso]: − Sim.
Eu [lembrando-me de um boneco que vi há uns tempos]: − Viste lá um, com um tubarão?
Simão [entusiasmado]: − Vi. O tubarão tinha moooooontes de dentes!
Eu [reagindo ao seu entusiasmo]: − E, então, não gostaste mais?
Simão [com uma expressão indignada]: − Achas?! Era MEIO tubarão! Eu não ia dar dinheiro por MEIO tubarão!!!
Sábado, 18 de Novembro de 2006
© Foto: Ruven Afanador
Sexta-feira, 17 de Novembro de 2006
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He Is Dead.
Put crepe bows round the white necks of public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West.
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever; I was wrong.
The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood;
For nothing now can ever come to any good.
"Funeral Blues" - Poema de W. H. Auden