Sexta-feira, 28 de Abril de 2006
“Sim!
Sabes...o sr. Búzio não me parece lá muito bem. Sempre respingão e de mau humor. Ainda ontem, quando o fui visitar, fiquei à porta e, como de costume, soletrei o seu nome em surdina: "senhor Búzio!"; e a arquitetura/ acústica da casa do sr. Búzio fez o resto: "se-nho-nho-nhor..rrrrr Búzio-úzio-zio-io-o-o-o-o!" (palavras "ecoadas/ enroladas").
Então, ele apareceu e resmungou: "ouve lá, oh Demiurgo, quantas vezes já te disse para não gritares tão alto?", eu limitei-me a responder: "tantas quantas o venho visitar". Pressenti-(lhe) uma capitulação envergonhada... e acrescentei: "a Lunata manda-lhe um beijo do tamanho do mar". "O mar enche-me a casa cheia de areia!" respingou o sr. Búzio. "Pois... o mar... e o beijo?" perguntei-lhe. "Não quero areia dentro de casa... o beijo pode ficar!”
[Texto de Demiurgo]
Quinta-feira, 27 de Abril de 2006
Lunata não cabe em si de contentamento!
Após três anos de ausência (sim, porque nas histórias somos senhores do tempo e podemos fazer com ele o que nos apetecer, andando para trás e para a frente, para a frente e para trás como nos convier) recebeu carta de Demiurgo. E falou-lhe de uma forma tão natural, que parecia que tinha sido ontem a ultima vez que tinham trocado palavras! Na verdade, ela já o havia chamado algumas vezes, uma, duas talvez, e ele, entretido com sua vida, com seu mundo, não respondera. Desta ultima, porém, ironia do destino, chamou-o por engano. Distraída, enquanto arrumava correspondência antiga, enviou-lhe um aerograma de há anos atrás em que chamava por ele assim:
− De-mi-ur-gooo…?
E ele respondeu.
Quarta-feira, 26 de Abril de 2006
Ralph Fiennes
George Clooney
Segunda-feira, 24 de Abril de 2006
Como toda a gente, tinha segredos que a ninguém confessava. Havia um, porém, que numa espécie de superstição, guardava com especial cuidado, não fosse a revelação afastar os seus efeitos mágicos.
Quando o caos se instalava, e o mundo ameaçava desabar, pegava no carro e conduzia, invariavelmente, rumo a um lugar secreto. No leitor de CD`s a música acalmava-lhe a angustia e a brisa, nos cabelos, relativizava-lhe os problemas. O sol, mesmo quando não brilhava, iluminava-lhe as ideias e a humidade − vinda do mar − refrescava-lhe as emoções.
Chegada ao local estacionava, mesmo ali, perpendicular ao oceano, e ficava a ver o voo picado das gaivotas e a invejar a sua leveza. Via-as planar, aproveitando a força do vento, num bailado dessincronizado, mas perfeito. Via-as fintar a gravidade, numa descolagem arrojada e engana-la, numa aterragem elegante. E ficava, ali, no meio delas − tantas! − num exercício sobrenatural de criatividade, a elevar-se com elas no ar e a cortar o céu com a mesma veloz graciosidade.
Depois, fechava os olhos e sentia a espuma bravia do mar salpicar-lhe as pernas, as mãos, o rosto, … penetrar-lhe os lábios − Ahhh! − num intenso orgasmo, salgado. Sentia o vento encaracolar-lhe os cabelos e sussurrar-lhe ininteligíveis segredos ao ouvido; e o cheiro da maresia invadir-lhe, violentamente, as narinas, seguir-lhe até ao cérebro e arrancar-lhe a imaginação para alto mar, sem rumo e sem fim, numa viajem alucinante de sentidos.
Depois, abria novamente os olhos e deitava-se na areia. Mergulhava, então, por ela adentro, numa movediça excursão ao centro da Terra, ao seu calor, ao seu âmago, ao seu sentido de ser…
E, sem resposta, acordava − já calma e humana − no carro que a trouxera, e que estacionara, ali mesmo, perpendicular ao oceano, uma espécie de redoma metálica onde, temporariamente, todo o mal tinha solução e todo o caos era ordem.
© Sofia Bragança Buchholz, 2006. Reprodução Interdita
Sábado, 22 de Abril de 2006
Xenia Hausner - Coco, 2002
rezo, Meu Amor, − quase certa de que o farás −, para não dares um passo em falso e me voltares a decepcionar.
Sexta-feira, 21 de Abril de 2006
Hoje fiz lagosta suada. E nem imaginam o trabalhão que me deu fazê-la, para isso, correr até casa!
Quinta-feira, 20 de Abril de 2006
O novo reclame do BES deprime-me, francamente. Perguntam-me se tenho um plano B para a minha vida? Eu? Eu nem um plano A convenientemente delineado tenho, caraças!
"...
— Doutor, voltei a sentir-me mal. Piorei, e tenho dificuldade em respirar. É insuportável... às vezes acho que vou sufocar.
Ele fora realmente apanhado de surpresa. Acho até que demorou algum tempo a reconhecer-me. Talvez não quisesse acreditar no que via. Cheguei a ter medo da sua reacção, e a sentir mesmo, naquele momento, falta de ar e o coração a bater descompassadamente, mas relaxei quando o vi levantar-se com o estetoscópio na mão, sentar-se na cadeira ao lado da minha e dizer:
— Não se preocupe, vamos já ver isso.
Preparava-se para me puxar a camisa para cima, à frente, quando tocou o telefone. Levantou-se para o atender.
— Sim, já entrou — e após um segundo de silêncio: — Não, não tem importância.
Pousou calmamente o telefone. Voltou a sentar-se. Sorriu-me com um ar malandro. Estava calmo, muito calmo e controlava, com o seu charme, de novo a situação. Eu, pelo contrário, tremia, e, quando ele encostou o estetoscópio frio no meu peito, tive a sensação de o ouvir bater nos ouvidos do João. Ele olhou-me em silêncio, piscou-me o olho. Eu fiquei ali, imobilizada, novamente com o meu coração nas suas mãos.
Retirou o estetoscópio dos ouvidos e deixou-o pendurado no pescoço, como se fosse um colar. Tentava desabotoar-me a manga camisa para me medir a tenção.
— Há quanto tempo sente essa falta de ar? — perguntou, colocando à volta do meu braço a braçadeira do aparelho.
— Há três dias — respondi sem hesitar.
— E quando é que se sente pior?
— À noite.
— Quando está deitada?
— Também.
— Também? — fixou os seus olhos nos meus.
— A partir das nove horas, começo a sentir falta... — calei-me porque ele voltara a pôr o estetoscópio.
Olhei-o em silêncio, agora verdadeiramente compenetrado no que fazia. Ouvi a som da bomba a encher a braçadeira, senti a sua pressão forte no meu braço, e depois o suspiro, o longo suspiro, a esvaziar-se.
— A partir das nove horas começa a sentir falta? Só a partir das nove horas? — gozou, muito sério, usando exactamente as minhas palavras.
Eu corrigi.
— ... de ar.
— Só a partir das nove horas? — repetiu.
Eu fiz que não com a cabeça.
— E quando toca o telefone — acrescentei.
Ele sorriu, um sorriso diferente do que fizera até então, baixou ligeiramente os olhos, voltou a levantá-los, e só depois foi capaz de me olhar outra vez.
— E de manhã, e à tarde... — continuei.
Os nossos olhos encontravam-se de novo, mas os dele fugiam, para voltarem de seguida, arrependidos, presos aos meus. Mediamos forças com o olhar e ganhava eu, mas preferia vê-lo triunfar a ele, porque a sua segurança me fazia mais feliz do que a minha própria.
Voltei a entregar-me nas suas mãos, deixei-o fazer o diagnóstico.
— Sabe o que é que se passa, Doutor?
..."© Sofia Bragança BuchholzIn "De Mãos Dadas com a Perfeição", págs 172-173;
Editorial Presença, 2003
Quarta-feira, 19 de Abril de 2006
© Foto: Sofia Bragança BuchholzE eu que nem imaginava!
Pena é, parecer na fotografia que se está a desmoronar. Contudo − sou testemunha − continua lá, sólido, seguro… indestrutível, Meu Amor!
Terça-feira, 18 de Abril de 2006
− Ah, gostava tanto de ter assim umas asas! Brancas, divinas, imponentes…
− Não preferias ter, antes, assim umas mamas?! Cheias, redondas, suculentas...