Terça-feira, 31 de Janeiro de 2006
“Comprou a esposa numa liquidação, pendurada que estava, junto com outras, no grande cabide circular. Suas posses não lhe permitiam adquirir lançamentos novos, modelos sofisticados. Contentou-se pois com essa, fim de estoque, mas preço de ocasião.
Em casa, porém, longe da agitação da loja − homem escolhendo mulher, homem pagando mulher, homem metendo mulher em saco pardo e levando às vezes mais de uma para aproveitar o bom negócio − percebeu que o estado da sua compra deixava a desejar.
“É claro”, pensou reparando na sujeira dos punhos, no amarrotado da pele, nos tufos de cabelos que mal escondiam rasgões do couro cabeludo, “Eles não iam liquidar coisa nova.”
Conformado, deitou-a na cama pensando que ainda serviria para algum uso. E, abrindo-lhe as pernas, despejou lá dentro, uma por uma, brancas bolinhas de naftalina.”
Marina Colasanti in “Um Espinho de Marfim e Outras Histórias”; Figueirinhas, 2003; pg. 131
O tempo passa tão depressa que tenho medo de morrer sem ter vivido.
E hoje, como me disse um dia um amigo, pura e simplesmente, não consigo desligar o complicómetro.
É fodido, ser mulher.
Reuters/ Yannis Behrakis
"Young Kashmiri earthquake survivors peer through an opening at a humanitarian aid compound as they wait for aid delivery in Chakothi, 65 km (40 miles) east of the earthquake-devastated city of Muzaffarabad, in Pakistan-administered Kashmir, January 30, 2006. Winter weather has made life more difficult for the survivors of last year’s massive earthquake in South Asia where more than two million people have been living in tents or crude shelters patched together from ruined homes."
Reuters/ Yannis Behrakis
Perdoa-me a pergunta, Meu Amor, mas não existirá, na verdade, no teu vocabulário a palavra “basta”?
Domingo, 29 de Janeiro de 2006
Hoje, Demiurgo voltou a não procurar Lunata. Embora sentir-se feliz lhe parecesse tarefa impossível, decidiu-se, mesmo assim, a contrariar a melancolia que se apoderara dela.
Pegou num camaroeiro que Demiurgo havia esquecido em sua casa e saiu para a rua, a caçar imagens. O frio cortava-lhe o rosto e a brisa gélida lambia-lhe, impiedosamente, os cabelos que, teimosos, lhe fugiam do gorro. Timidamente, segurando com ambas as mãos o cabo do camaroeiro, Lunata, lançou-o para a frente, agarrando na fina rede a sua primeira imagem. Curiosa, espreitou, a vê-la: era pequenina, escura, um pouco desfocada, até, sem qualquer beleza particular ou destaque especial, mas, logo, ao longe, avistou uma outra e, deixando para trás esta, correu a alcança-la. A segunda, também não era perfeita. Contudo, havia nela um fiapo de luz e uma nuvem de esperança que motivaram Lunata. E lançou-se numa busca entusiasmada, esquecida de sua melancolia, alheia ao frio, entretida com ângulos e enquadramentos, com luzes e sombras, e quando, por último, o dia findou, foi, mais uma vez, com espanto que notou que se havia olvidado de Demiurgo e de sua, tão dolorosa, ausência.
Sábado, 28 de Janeiro de 2006
Durante uma a noite a tomar conta dos meus sobrinhos Tomás e Simão, de, respectivamente, oito e cinco anos:
− Tomás, sai de cima do Simão!
− Simão, deixa o Tomás sossegado!
− Tomás, não magoes o Simão!
− Simão, não dês beliscões ao Tomás!
− Tomás, não faças isso ao Simão!
− Simão, não puxes os cabelos ao Tomás!
− Tomás, não dês pontapés ao Simão!
− Simão, sai de cima do Tomás!
− Tomás, deixa o Simão sossegado!
− Simão, não dês murros ao Tomás!
…
Livra! Que Deus me abençoe com meninas!
Uma recordação do ano 2002, desta vez, na voz de monsieur Le Pen</span>
A mais bela canção de amor do mundo VI
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Sexta-feira, 27 de Janeiro de 2006
Quinta-feira, 26 de Janeiro de 2006
Faz tempo que Demiurgo não procura Lunata. Para afastar a dor da ausência, ela prendeu, hoje, seus cabelos revoltosos num gorro grená e saiu para a rua. Cumprimentou senhor Labrador e sua esposa, dona Retrevier; Falou com dona Dálmata, afagando, no colo, o seu filho ainda bebé; e foi sentar-se no jardim, numa prosa interessante com dom Tareco, com quem ainda gargalhou quando este, num acto de atrevimento, se pôs a brincar com o pompom que lhe rematava o gorro.
E assim, por momentos, Lunata esqueceu Demiurgo e sob o gorro grená voltaram a dourar, seus cabelos. É que a vida são dois dias e tem de ser vivida um dia de cada vez.
"Passei por aqui mas não estavas... fica o beijo."
Quarta-feira, 25 de Janeiro de 2006
Daquilo que aconteceu no Aldebarã naquela tarde, não há memória anterior. Nem os misteriosos bilhetes anónimos, nem a ameaça da presença de um tal Erre Manesse, nem Milena brincando com o bilboquê de James Joyce... nada, nadinha teve impacto igual àquilo que se passou, naquela dia, no Aldebarã.
A tarde corria prazenteira com James Joyce e Virgínia Woolf jogando uma partida de poker, Paulinho Assunção assistindo, e o inspector Quaresma, passeando, para cá e para lá, embevecido, de mãos dadas com mais uma moça que todos desconheciam. Fernando Pessoa, depois da insubordinação de Quaresma, havia-se refugiado na Montanha Mágica de Thomas Mann e, agora, ainda de ego ferido e minguado, mas, significativamente, mais calmo, descansava sobre o ventre de Cida La Lamp, que deitada numa espreguiçadeira, discutia as novas tendências literárias com Camões e Mann. Estes entregavam-se a divagações sobre os benefícios da literatura light, muito mais saudável antes de dormir, assegurava Camões, ao contrário dos clássicos, mais pesados e difíceis de digerir a essa hora do dia. Thomas Mann defendia, ainda, os escritores novos, porque são encantadores, dizia, tão cheios de talentos e graça, defendia afincadamente. Hemingway veio juntar-se ao grupo, adepto das novas escritoras, gabando Margarida Rebelo Pinto, - que estilo, meu Deus!, exclamava - , a inteligência de Inês Pedrosa e o humor de Sofia Bragança Buchholz.
A certa altura todos pararam. Cristalizaram no que estavam a fazer ou dizer, concentrando-se no que se passava, mais parecendo que jogavam a um jogo de crianças. Virgínia Woolf com os dados prontos para efectuarem a trajectória até à flanela da mesa; Quaresma com os lábios colados à pele macia do pescoço da moça desconhecida; Mann de dedo em riste na direcção de Camões… e assim por diante, todos petrificados, como estátuas, antigas. Até a nuvem que passava em frente ao sol nesse instante, parece ter paralisado, de tão escuro que se pôs o dia, de tão frio que se tornou o vento que, soprando cada vez mais forte, anunciava um violento e assustador fenómeno. [Continua] [SBB]
Nota: O Bar Aldebarã é um projecto e ideia única e exclusivamente da autoria e responsabilidade dos escritores Manuel Jorge Marmelo e Paulinho Assunção, sobre o qual eu, com o conhecimento e consentimento dos autores, volta e meia, divago.
Terça-feira, 24 de Janeiro de 2006
E, aqui, uma mensagem, alegre, de esperança</span>
A mais bela canção de amor do mundo V
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Mesmo que o sol se apague,
que a Lua deixe de brilhar,
que os oceanos sequem,
e as florestas se tornem desertos...
Mesmo que as plantas desapareçam,
que os animais morram,
que os Homens fujam
e o mundo acabe…
Eu, Meu Amor... estarei lá − [prometo-te] − para te abraçar.
Mais uma interpretação D-I-V-I-N-A-L</span>
A mais bela canção de amor do mundo IV
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